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13 de janeiro de 2015

New Family - Prólogo

Prólogo
Foto: we heart it
Os ponteiros do meu relógio de parede marcavam oito e cinco da noite quando entrei em casa. Como era de costume, joguei meus pertences por todos os lados enquanto tirava os sapatos com a ajuda do calcanhar. O chão gelado em contato com meus dedos quentes faz parte da minha lista de pequenos prazeres sem custo.
Depois de seis horas mascando chicletes e tomando litros e litros d'agua, resolvi dar ouvidos ao meu estômago e esquentei a lasanha congelada do dia anterior. Na televisão passava algum filme antigo que me causaria sono instantâneo se eu me permitisse dar atenção, então fui ouvir os recados da secretária eletrônica enquanto abria a correspondência do dia.
– Boa tarde, Srta. Müller. Estou ligando por parte do seu banco e gostaria de oferecer o nosso novo cartão de crédito. A Srta. poderá utilizá-lo em qualquer estabelecimento e por medidas de segurança, ele chegará bloqueado em sua residência. Por favor, em caso de interesse, peço que entre em contato com sua gerente o mais rápido possível. Obrigada e tenha um ótimo dia.
Eu havia recebido a última fatura do meu sofá turquesa, que finalmente estaria totalmente pago no dia seguinte, e aí sim, seria todinho meu. Não era de se espantar que o banco me empurrasse mais opções de dívidas, agora que a última delas havia sido quitada.
BIP.
– Oi! E aí, nosso almoço está de pé no sábado? Escute essa: acabo de ler sobre um estudo que analisa o comportamento dos bilionários e adivinhe só? Eu me encaixo perfeitamente! Sou inteligente, tenho habilidades para fazer escolhas e prezo pelo conforto, só me falta a grana para encabeçar de vez essa lista! Até mais!
Droga! Eu havia me esquecido do almoço de sábado. Teria de comprar alguma coisa no mercado e enfeitar na forma de vidro que mamãe me dera no natal retrasado. Se bem que, com o novo catálogo de maquiagem que chegou pelo correio, Caroline pouco se interessaria pela comida.
BIP.
– Ok! Já chega de drama, Lorena. Simplesmente já deu, sua quota já foi! Eu não quero saber se você está cansada porque trabalha demais para se distrair. Também não me importo se você prefere passar o fim de semana em casa tomando remédios para dormir. Você vai sair conosco no sábado à noite para comemorar meu aniversário! Caroline já me disse que vocês vão almoçar juntas, então deduzi que você não têm outros planos. Inclusive, ela vai estender a visita e ficar aí até à noite, assim vocês podem se arrumar juntas e você não vai ter chance de me deixar esperando. Nos vemos no sábado!
Droga duas vezes! Joel não aceitaria um não como resposta, e mesmo sendo meu melhor amigo, ele não me daria chance de recuar. Mesmo assim eu precisava tentar, de repente ele poderia ser tocado por uma onda de pena e me deixasse ficar de fora dessa. Cheguei a discar os dois primeiros números de seu celular, mas não fui em frente. Eu ligaria depois de abrir aquela carta esquisita que estava em minhas mãos. Minha curiosidade sempre falou mais alto.
Rasguei o envelope cor de pêssego. O remetente era de Confins, uma cidade vizinha de onde eu não conhecia ninguém. Gloria era o remetente que aparecia na correspondência, mas eu também não conhecia ninguém com esse nome. Encontrei uma carta com duas folhas grampeadas e uma foto escorreu entre elas, nela estava um homem com cerca de cinquenta anos ao lado de três mulheres jovens e um garoto.
Por uma fração de segundo pensei conhecer aquele homem, mas olhando bem, eu nunca tinha visto ninguém daquela foto. Atrás da imagem encontrei um telefone e uma data que indicava dois anos atrás. Tomada por uma curiosidade ainda maior, desdobrei as páginas e comecei a ler.

Oi, Lorena. Como vai? 

Sei que geralmente as pessoas perguntam isso apenas por educação, mas eu realmente gostaria de saber se você está bem!

Me chamo Gloria e você nunca ouviu falar de mim antes, eu também sei bem pouco sobre você. Demorei um tempo consideravelmente longo para escrever esta carta e demorei mais ainda para decidir enviá-la, mas meus irmãos me convenceram de que era o certo a se fazer.

As pessoas que você vê na foto são meus irmãos, meu pai e eu. Da esquerda para a direta está a Diana (25), eu (28), meu pai (54), Sarah (17) e Willian (19). Essa fotografia é de dois anos atrás, foi a última que tiramos com meu pai, mas deve servir. É provável que você esteja se perguntando o que tem a ver com tudo isso, mas vai descobrir que tem tudo a ver. 

Aos trinta anos meu pai conheceu sua mãe, segundo a história que nos contava, ele estava num bar esperando  a hora passar para voltar para casa. Era uma fase ruim do casamento e ele não queria encontrar minha mãe acordada, pois isso geraria ainda mais brigas como era de costume naquela época.

Segundo ele, sua mãe trabalhava muito, e sempre recorria à uma cerveja gelada no fim do expediente para descansar os nervos. Foi assim que eles se conheceram e começaram a se relacionar. O primeiro e único caso do meu pai durante o casamento durou cerca de seis meses. E foi com sua mãe! 

Papai dizia que a Alice tinha uma personalidade muito forte, mas era, ao mesmo tempo, perserverante e independente. Foi isso o que o atraiu nela! Sua mãe soube o tempo todo que meu pai era casado e não queria continuar sendo "a outra" quando descobriu que estava grávida de você, jurou ao papai que o filho não era dele e implorou que a deixasse em paz. 

Nove meses depois ele foi visitá-la no hospital, Alice continuava negando qualquer ligação dele com você, mas segundo ele, percebeu que era seu pai assim que te viu. Alice implorou para que papai se afastasse e ele o fez. Até antes de falecer, nos dizia que não tinha certeza do motivo pelo qual não continuou tentando te conhecer e assumir a responsabilidade. Talvez para salvar o que restava do casamento com minha mãe, ou talvez, por pura covardia.

Ele te acompanhou por um tempo. Às vezes fingia encontrar você e sua mãe por acaso, apenas para saber como iam as coisas. Ele disse que você cresceu rápido, e parou de te procurar no seu aniversário de dez anos. Já era hora de te deixar viver!

Não sei como sua mãe te criou, Lorena. Mas imagino que muito bem! A minha faleceu pouco depois do seu décimo aniversário, esse deve ter sido o motivo de meu pai ter deixado de te procurar. Agora ele teria de cuidar dos filhos sozinho. 

Ele faleceu há um ano e meio, meses depois de tirarmos a fotografia que você tem em mãos. Foi então que meus irmãos e eu decidimos lhe procurar. A princípio você era como uma personagem de filme, tudo o que sabíamos era o que meu pai contava, e ele obviamente não sabia como você era e no que havia se tornado depois de tantos anos. 

Imaginávamos como você se vestia, com o que trabalhava e como vivia. Por um tempo isso foi o suficiente, era uma espécie de brincadeira que tomava nosso tempo e supria nossas necessidades, mas foi só com o falecimento de sua mãe, há três meses atrás, que decidimos parar de imaginar e te procurar de verdade.

É egoísmo de nossa parte procurar por você para tentar nos aproximar de uma parte desconhecida do meu pai, mas também acho que, de repente, poderia ser útil para você conhecer pessoas que também sofreram perdas parecidas. Querendo ou não, você faz parte da nossa família, e teríamos prazer em recebê-la para conversar e nos conhecermos um pouco mais.

Você encontra meu telefone no verso da fotografia. Aguardo sua resposta, e espero, de coração, que ela chegue logo!

Beijos, Gloria.

Ainda de acordo com meu relógio de parede, eu devo ter ficado cerca de meia hora olhando para aquela carta. Não relendo, apenas digerindo seu conteúdo. As folhas em minhas mãos já não estavam lisinhas e intactas, devo ter segurado com tanta força que as amassei.
Caroline costuma dizer que entro em coma quando alguma coisa me surpreende. Ela diz que meus neurônios param de funcionar, meus músculos travam e meu cérebro sofre um apagão, sem previsão para voltar ao normal.
Larguei as páginas pelo sofá, assim como fiz com meus pertences quando cheguei do trabalho. Peguei meus sapatos espalhados pelo chão e fui até o quarto, separei o necessário e me dirigi ao banheiro para tomar um longo banho. Escovei os dentes com toda a força que meus braços conseguiam produzir. Penteei meus cabelos com tamanha firmeza que alguns fios chegaram a cair no tapete. De volta ao quarto e pronta para dormir, demorei horas para pegar no sono, e só consegui fazê-lo depois de muito tempo apertando Pimpoo, um cachorrinho de pelúcia que mamãe me deu quando eu ainda era pequena.

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