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19 de janeiro de 2015

New Family - Capítulo I

Foto: we heart it
Minha mãe nunca foi muito de falar sobre meu pai. O pouco que eu sabia era que haviam sido amantes e que, depois do meu nascimento eles nunca mais se viram. Mamãe sempre foi uma mulher independente e estabanada, meio fora de controle. Quando era mais nova, eu precisava lembrá-la de que eu era a filha adolescente e ela, a mãe que deveria ser responsável, não o contrário.
Nunca me preocupei em procurar ou perguntar sobre meu pai. Lembro de uma vez em que estávamos no pediatra, eu devia ter uns sete anos, e minha mãe apontou para um homem alto de camiseta branca, dizendo que aquele era meu pai. Ele estava de costas, então eu nunca soube como era sua fisionomia, ou se tinha algum traço parecido com os meus. Mamãe também nunca falou sobre a existência de outros filhos por parte do meu pai. Quando nos conhecemos, Joel perguntou se eu não tinha curiosidade de saber se tinha irmãos. Honestamente, nunca me preocupei com isso, na verdade eu nunca pensei seriamente sobre o assunto, mas agora sabia que, muito provavelmente, ele estava na ala de pediatria do hospital acompanhando um de seus quatro filhos.
Acho que o motivo de eu nunca ter me preocupado com a existência do meu pai, era que minha mãe supria todas as minhas necessidades. Ela era mãe e pai. Ao longo dos anos, conforme fui crescendo e ficando mais entendida das coisas, passei a perceber que alguns dos telefonemas que recebíamos eram de homens que iam um pouco mais do que amigos, como eles costumavam se identificar, mas minha mãe nunca colocou qualquer um deles dentro de casa, e também nunca me apresentou a nenhum desses "amigos". Ela tinha sim, seus casos aleatórios, mas na realidade eu sabia que sempre seríamos só nós duas, e que eu era a pessoa mais importante da vida dela.

– Pode ser um psicopata ou um desocupado me passando trote. - Foi o que eu disse à Joanne enquanto almoçávamos, no dia seguinte.
– Ah, com certeza! Um psicopata tão empenhado que usa o pseudônimo 'Gloria', vai até Confins só para enviar a carta de lá e anexa a ela uma foto com um homem que é a sua cara. Você tem uma ótima imaginação, Lorena!
Acordei atrasada naquela sexta-feira. Peguei a primeira roupa que encontrei pela frente, mas depois resolvi que não era uma boa ideia e me atrasei mais ainda montando uma combinação decente. Atravessei minha sala de estar como um furacão e, antes que eu pudesse fechar a porta do apartamento, percebi aqueles papéis esparramados pelo sofá. Eles eram o centro das atenções naquele cômodo, como um item de decoração bem chamativo que a gente compra para deixar na sala de estar esperando receber elogios das visitas, tipo uma cabeça de veado empalhada. Mesmo o meu sofá turquesa não foi capaz de tirar a atenção daquelas páginas. Corri de volta e coloquei os papéis amassados e a foto dentro da bolsa. Eu precisava compartilhar aquilo com alguém ou ficaria louca.
Joanne atendia uma ligação importante quando cheguei. Passei correndo pela mesa de sua secretária e abri a porta com força. Ela levantou os olhos arregalados e me olhou assustada, deixei a carta em sua mesa e corri para minha sala. Joanne bateu à porta dez minutos mais tarde, e ainda no telefone, gesticulou algo sobre conversarmos durante o almoço. Eu apenas assenti e passei o resto da manhã organizando papéis e respondendo e-mails sem muita atenção.
– Se eu fosse você, ligaria. - Disse ela. - É muito improvável que isso seja uma piada, mas mesmo que seja, você só vai descobrir ligando. E se não fizer isso, vai ficar o resto da vida se remoendo de curiosidade.
– Tá! Vamos supor que seja verdade. O que eu devo fazer? Ligar e dizer "Olá, aqui é Lorena sua meia irmã bastarda, filha da amante do seu pai"?
– Você não é nenhuma bastarda! Entendo que esteja assustada, eu também estaria se recebesse uma carta dessas, mas se ficar com medo você pode desligar quando alguém atender.
– Nossa, que conselho maduro. 
Ela riu.
– Diga o que quiser. Eu sei que a curiosidade vai falar mais alto e você vai acabar ligando.

Trabalho na comunicação de uma fabricante de cosméticos e Joanne é minha chefe há quase um ano. Tínhamos o mesmo cargo quando cheguei na empresa, mas ela foi promovida poucos meses depois. Nos tornamos amigas muito rápido, ela me contando sobre as loucuras do marido e da enteada de seis anos, enquanto eu compartilhava as loucuras diárias da minha mãe. Ela sempre foi uma grande amiga, mesmo quando subiu de cargo, e depois que mamãe morreu ela passou a agir como se tentasse me ajudar a suprir a falta e superar a perda. Uma espécie de instinto materno.

O resto da tarde passou como num passe de mágicas. Fui ao mercado depois do trabalho e, chegando em casa, comecei a enfeitar toda a comida para o almoço do dia seguinte. A torta do mercado quase parecia caseira na minha tigela de vidro. O vinho era o mais barato de todos, mas esses eram os perigosos. Caroline iria adorar! Só a lasanha semi-pronta que esperaria até o dia seguinte para ir ao forno.
Tomei um longo banho, vesti meu roupão e as pantufas de coelho, encharquei minha pipoca com manteiga e assisti Show Bar pela vigésima sexta vez na vida. Acordei às duas da manhã com a carta amassada em meu colo e o menu do filme tocando a trilha sonora repetidas vezes. Foi quando decidi que era hora de ir para a cama.
Acordei às onze e quarenta da manhã com o interfone tocando. Quando atendi, o porteiro me informou que Caroline estava na portaria e aguardava autorização para subir. Pensando em fazer uma brincadeirinha para animar o dia, eu disse que ele não deveria deixá-la entrar e então desliguei. Menos de dois minutos depois meu celular tocou.
– Que droga de brincadeira idiota é essa, Lorena? – ela gritava.
– Ah! Oi, amiga. Bom dia!
– Bom dia é o cacete, já é quase meio dia! E você trate de mandar esse gordinho bigodudo me deixar entrar agora. – A última palavra saiu num grito rouco. 
– Caroline, todo esse mau humor logo cedo vai te fazer envelhecer antes da hora. 
Ela bufou.
– Ótimo! Estou indo almoçar em algum lugar onde eu seja bem-vinda e não tenha só comida de mercado.
– Isso é um absurdo! Eu preparei uma lasanha com todo o carinho para você. Espere! Vou pedir ao Alfredo para abrir.
Poucos minutos depois ela entrava pela porta da frente com aquela cara de quem ingeriu tudo o que há de mais azedo no mundo. O pior de tudo é que ela ficava ainda mais bonita quando estava zangada.
– Você é a pior anfitriã que eu conheço! – Ela olhou minha camisola de cima abaixo e correu para abrir a geladeira.
– Você já é de casa, não preciso me arrumar para te receber. Além do mais, fui dormir tarde ontem.
– Eu sabia! – Ela gritou. Caroline gritava com bastante frequência.
E então ela tirou a lasanha de dentro da geladeira.
– Que horas você pretendia colocar essa belezinha no forno para eu não descobrir que era comprada, hein?
– Minha semana foi muito cheia, não tive tempo de cozinhar. – Me desculpei. – E você sabe que eu cozinho mal.
– Ah, isso é verdade! Então vamos colocar isso no forno enquanto tomamos seu vinho barato.  
Caroline foi a única amiga do ensino médio que arrastei para a vida. Ela não tem como ser definida em uma só palavra. É inteligente do tipo nerd, bonita do tipo modelo da Victoria’s Secret, e irônica do tipo que não tem comparação. Honestamente, não consigo entender como nos tornamos amigas, ela sempre diz que sou imatura demais para a sua paciência limitada, mas a verdade é que ela seria o tipo de mulher perfeita para qualquer homem se tivesse um pouco de senso de humor. Ou melhor... Na verdade, não. Ela é sim, perfeita para qualquer homem e para qualquer mulher também, e ela tem senso de humor... Humor negro.


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